sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

A fome - Parte 1

Picasso, Pablo. - The Kiss


Ana


Era uma vez, uma jovem faminta.

A sua fome não era destas que pode ser sanada com o alimento cultivado nas terras, ou com a carne sem vida, recheada, temperada e chamuscada pelo fogo, oh não, a sua fome era outra.

Ah sim, clichês. Eu sei, são gritantes, mas o que posso fazer se a vida insiste em ficar se repetindo?
O que posso fazer, se a melhor forma de explicar algumas coisas é remeter à outras sensações, tão comuns a todos nós?



A fome dela era tão instintiva e nociva quanto a outra. Naquele tempo, pelo menos, realmente acreditava que precisava satisfazer todos os seus monstros para que, anestesiada com prazer, pudesse seguir em frente.

Uma criança pequena,  ignorando o perigo da queda e suas dolorosas consequências.

Neófita, ninfeta, tinha consciência apenas dos seus desejos caprichosos. Sem medo algum, queria apenas satisfazer todas e cada uma de suas fantasias.

Bicho-menina-mulher, dominava toda a sua influência, e é claro, não se importava com os meios necessários para o fim de suas angústias.
Tudo o que estava disponível, era recurso explorado e revirado para atender seus planos. O mundo era todo seu.

Ia para escola quase todas as manhãs. Tocava o rosto de quem a saudava, beijava a bochecha de cada um deles, com a medida do tempo exato para que seu cheiro ficasse impregnado em seus corpos.
O uniforme sem graça do colégio tentando, sem sucesso, aprisionar os contornos de seu corpo.

A calça do agasalho, um pouco larga demais, era um desperdício compensado pela camiseta branca de algodão, curta, surrada e fina, mostrando cada detalhe do soutien preto de lycra, provocação proposital e extremamente eficiente naqueles tempos.

Sua postura deixava ainda mais óbvio o seu orgulho por ostentar peitos estupidamente grandes, o olhar guloso de seus colegas e professores apenas comprovava o que ela já sabia.

A fome era constante.

Não há muita opção quando se é tão jovem e, cá entre nós, mesmo que houvesse, ela certamente continuaria deixando seu nome assinado em cada muro da cidade, em cada parque, praça ou canto que pudesse ocultá-la, pelo tempo que bastasse para satisfazer sua lascívia.

Um beijo no canto da boca, sorriu e pediu desculpas, fingiu ficar sem graça e observou seus movimentos em resposta. Percebeu a súbita mudança de postura, o sorriso de lado e a tentativa de conter a alegria em sua calça, de uma forma que ele, certamente, devia achar ser absolutamente discreta (mas não era), e lançou:

- Não tem problema. Ainda mais, sendo você.
- Hein? Como assim? O que tem eu?
- Ah, sei lá, é que eu te acho gata.
- Puxa, obrigada, mas eu nem sou gata não, sou gorda.
- Tá maluca? Gorda nada. Você é gostosa.

Pronto! A isca fora lançada e abocanhada, logo de primeira. Mal acreditava que ele iria ser tão óbvio e simples de arrebatar. Alguns diálogos são tão naturais que parecem até seguir um roteiro.

- Queria uma bala...
- Ah, só tenho essa. (mostrando a bala em sua língua)
- Eu realmente quero a bala.
- Vem pegar.

Daniel


Não era muito inteligente, academicamente falando, é claro. Se reprovasse mais uma vez, seria transferido para o período da noite.
Era esperto, sacava as pessoas a anos luz de distância. Gostava de ler, ouvir música, e de jogar.
Odiava ficar preso em uma cadeira tendo que ouvir os professores. Achava um tédio.

Gostava de muitos jogos, gostava, principalmente, de brincar com as garotas, mas ultimamente estava achando todas entediantes demais, chatas.

Todos os dias, tentava prestar atenção em suas aulas. Tentava com todas as forças.
E, diariamente, ele fracassava.

- Vadia. Será que ela não poderia vir com uma camiseta menos transparente? E aqueles peitos, caralho, um dia ainda rasgo aquela camisetinha.

Repetia este discurso em sua mente, mas a verdade é que ele nunca conseguia ser gentil com ela. Ela devia pensar que ele a odiava. Todas as vezes que estavam na mesma roda de amigos, ele dava um jeito de ser totalmente cretino com ela.

Deve ter sido por isso que ele sentiu uma explosão de excitação quando os lábios se tocaram. Apenas um deslize inocente. O suficiente para deixar seu pau latejando, querendo explodir para fora da calça.

Sentiu aquele frio na barriga e logo depois veio o cheiro dela. E como mágica, seus pensamentos ficaram claros, focados no alvo de sua caçada, na sua presa.

As palavras fluíram de sua boca como se não fossem suas. O diálogo se encaixava perfeitamente e ele já conseguia antecipar o tão desejado desfecho.

- Eu realmente quero a bala.
- Vem pegar.

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